A repercussão da lei nº 180 de 1978 que deu início à Reforma Psiquiátrica na Itália deu forças para a luta Antimanicomial que já existia no Brasil. Em julho de 1979, o médico italiano precursor da reforma, Franco Basaglia, veio ao Brasil para participar do III Congresso Mineiro de Psiquiatria e reforçou a luta e denunciou o que acontecia dentro dos manicômios no Brasil.
Infelizmente, somente a partir do final da década de 1980 que iniciamos a colher frutos da luta Antimanicomial em nosso país, iniciando, assim, a construção de uma nova política de atendimento para as pessoas com transtornos mentais, a qual se buscava o fim do modelo de internação em hospitais psiquiátricos e a transferência do cuidado para atendimentos ambulatoriais.
O desejo e a luta por mudanças no cuidado para com as pessoas portadoras de sofrimento mental iniciam com a psiquiatra Nise da Silveira na década de 40, quando, em 1944, foi reintegrada ao serviço público, após 18 meses presa pela Ditadura de Getúlio Vargas, iniciando seu trabalho no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Junto a ela uniu-se importantes nomes da saúde e da arte, como a enfermeira especialista em Terapia Ocupacional Dona Ivone Lara. Juntas, elas desempenharam papel fundamental para o Movimento da Reforma Psiquiátrica que se solidificou no final da década de 70.
A Luta Antimanicomial possui duas importantes referências, inclusive uma destas foi escolhida para ser o dia que simboliza esta importante luta: o Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, em Bauru/SP (1987), e a I Conferência Nacional de Saúde Mental, em Brasília (1987).
Em 1989, o deputado Paulo Delgado (PT) apresentou um projeto de lei que regulamentava os direitos da pessoa com transtornos mentais e extinguia de forma progressiva os manicômios no país. Entretanto, o projeto proposto tornou-se Lei apenas em 2001 com a Lei Federal 10.216 (Lei Paulo Delgado) tornando, finalmente, possível a reforma psiquiátrica em todo território brasileiro. Apesar da aprovação tardia em nosso país, o Estado do Rio Grande do Sul, em 1992, já havia aprovado a Lei 9.716:
“Dispõe sobre a Reforma Psiquiátrica no Rio Grande do Sul, determina a substituição progressiva dos leitos nos hospitais psiquiátricos por rede de atenção integral em saúde mental, determina regras de proteção aos que padecem de sofrimento psíquico, especialmente quanto às internações psiquiátricas compulsórias e dá outras providências.”
Com esta lei aprovada no Rio Grande do Sul, o Estado torna-se exemplo para o restante do país na luta Antimanicomial e na busca urgente pela Reforma Psiquiátrica em todo o país.
A atenção aos portadores de transtornos mentais passa a ter como objetivo o pleno exercício de sua cidadania, e não somente o controle de sua sintomatologia. Isso implica em organizar serviços abertos, com a participação ativa dos usuários e formando redes com outras políticas públicas (educação, moradia, trabalho, cultura etc). Entre os equipamentos substitutivos ao modelo manicomial estão os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência (Cecos), as Enfermarias de Saúde Mental em hospitais gerais, as oficinas de geração de renda, entre outros.
O processo do Movimento da Reforma Sanitária resultou na garantia constitucional da saúde como direito de todos e dever do estado através da criação do Sistema Único de Saúde, garantindo proteção dos direitos das pessoas com transtornos mentais e redirecionando o modelo de assistência. Este marco legal estabelece a responsabilidade do Estado no desenvolvimento da política de saúde mental no Brasil, através do fechamento de hospitais psiquiátricos, abertura de novos serviços comunitários e participação social no acompanhamento de sua implementação.
A Luta Antimanicomial iniciou na década de 40 e ainda não terminou, porque desde 2016 a Reforma Psiquiátrica corre risco de retrocessos e prejuízos aparelhados por grupos de interesse privado. Em dezembro de 2017, por exemplo, foi aprovada a reformulação da política de saúde mental no País. O novo modelo reforça o papel de hospitais psiquiátricos, que voltam a fazer parte da rede de atendimento.
Durante a gestão federal interina de Michel Temer e, nos últimos anos, sob o governo do atual presidente da República Jair Bolsonaro, recursos federais, antes voltados à ampliação de serviços de base comunitária inseridos no SUS, foram paralisados, ao passo em que representantes de entidades privadas, que incluem associações psiquiátricas e empresários ligados a instituições asilares, passaram a incidir cada vez mais sobre a agenda pública.
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